Dr. Dalton A. S. Gabardo. Editorial Direito e Justiça. Portal Paraná On Line. Publicado em 01.11.2011.
Novamente o Governo Federal, via BACEN, coloca em pauta prioritária em sua área econômica a alteração do cálculo taxa de juros sobre dos depósitos de caderneta de poupança, ou seja, saindo de 0,5% ao mês (6,17% ao ano) para o patamar de 80% da Taxa Selic, acenando com a redução gradual da Selic, não comprometendo assim o confronto direto com as demais aplicações financeiras, já que a poupança é conhecida como depósito de fácil trato pela população.
Entretanto, gostaria de relembrar que o Sistema Financeiro da Habitação – SFH, com a Lei 4.380/64, art. 6º, letra “c”, fixou a taxa de juros em 10% ao ano, ou seja, o sistema sempre trabalhou com a taxa pré-fixada justamente porque a taxa de juros paga aos depositantes pelas mesmas Instituições Financeiras serve de “spread”, mais os custos da operação (operação passiva) e taxa de juros nos empréstimos imobiliários (operação ativa) tem como parâmetro a taxa anualizada de 6,17%. Neste contexto o STJ teve que apaziguar os ânimos dos litigantes com o enunciado da Súmula 422 do STJ: “O artigo 6º, alínea “e” da Lei 4.380, de 1964, não estabelece a limitação de juros remuneratórios nos contratos vinculados ao SFH”.
Assim a taxa de juros no SFH inicialmente fixada em 10%, posteriormente regulamentada pelo art. 2º, “b” do Decreto 63.182/68, chegou ao patamar de até 12% e por última definida na Lei nº 8.692/93 em 12%, sendo essa praticada usualmente nas operações de crédito imobiliário, exceto em operação de faixa livre e taxa de mercado, liberadas pelo Banco Central do Brasil nas operações fora do SFH, mesmo considerando que os artigos 1º a 9º da referida lei foram revogados pela MP. 2223/01.
Ao lado da taxa de juros, pela qual é calculado o valor da prestação inicial do financiamento imobiliário, durante o curso do contrato e em sua fase de amortização, o encargo mensal nas operações do SFH, historicamente, sofre correção (ou atualização no jargão que o BACEN passou a utilizar a partir dos anos 90), seja mensal, trimestral ou anual conforme a época do contrato (atualmente mensal), cujo índice de correção inicialmente previsto pela Lei 4.380/64 e subordinada à variação do salário-mínimo, posteriormente alterada pelo Decreto-Lei 19/66, vinculando a variação da UPC do BNH à ORTN, o mesmo se aplicando para atualização do saldo devedor do empréstimo.
Já em 1984, após a débâcle do sistema em 1982/1983, foi editado o Decreto-Lei 2.164/84 que criou o Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional – PES/CP para as categorias conhecidas e, ainda, a aplicação de reajuste pelo salário-mínimo para as demais, conforme definido na mesma legislação e regulamentada por resoluções do BNH.
Neste momento, o SFH passou a adotar dois indexadores: a correção pela variação salarial para correção do encargo mensal, obedecido o período da data-base da categoria profissional, mantendo-se a correção do saldo devedor pela variação da UPC (ORTN), mas a própria lei definiu um limitador para a correção do saldo devedor pela UPC, impedindo-o de exceder a 7 (sete) pontos percentuais. Esse limitador, na época, foi justificado pelos técnicos do BNH, como suficiente para manter a capacidade de pagamento do encargo mensal e liquidar o financiamento dentro do prazo contratado.
A UPC foi extinta com a edição do Decreto-Lei 2.284/86 (plano cruzado) e revigorada pelo Decreto nº 94.548/87, mas já atrelada a mesma variação da caderneta de poupança (aqui só a correção monetária, situação essa aplicada tão somente aos contratos assinados até 28 de fevereiro de 1986).
A partir da Resolução nº 1.253/87 do BACEN, todas as operações de crédito imobiliário passaram a utilizar como indexador em suas operações a cláusula de atualização pela variação dos índices de depósitos de poupança, ficando assim sujeitas à correção pelo IPC, BTN, etc (índices esses sempre alterados em virtude da implantação dos planos econômicos).
Com a Lei 8.177/90 todas as operações passaram a utilizar a cláusula de atualização pela remuneração básica da poupança e atrelada à variação da Taxa Referencial (TR), observando-se a data de aniversário do contrato, presente em todos os contratos seja no âmbito do SFH como do SFI, justamente porque a TR é o indexador da poupança.
O previsto na Resolução nº 1.253/87 acabou sendo ratificado pelo artigo 12 da Lei 8.177/90 e novamente regulamentado pela Lei 8.692/93 que criou o Plano de Comprometimento de Renda (PCR), em cujo plano o reajuste anual da prestação não poderia ser superior a 30% da renda apresentada no momento da contratação pelo mutuário, quando ainda no artigo 15 definiu que o saldo devedor será atualizado monetariamente pela mesma periodicidade e pelos mesmos índices de atualização dos depósitos de poupança.
Já no que tange ao Sistema Financeiro Imobiliário a Lei 9.514/97 deixou em aberto a livre convenção de todos os encargos garantia fiduciária, inclusive a forma de capitalização, mas referidos contratos também utilizam como critério de reajustamento do encargo mensal e do saldo devedor o mesmo índice aplicado na remuneração dos depósitos de poupança (TR).
Esta exposição histórica é importante para destacar que o SFH sempre adotou a taxa de juros máxima permitida pela legislação, calculada de forma pré-fixada no cálculo da prestação inicial e definida em 12% ao ano pelo artigo 25 da Lei 8.692/93, mesmo com a edição de medidas provisórias que também permitem a livre pactuação dos encargos a taxa efetiva máxima praticada nas operações do SFH e do SFI, quando esses recursos são oriundos da poupança está limitada a 12% ao ano.
É importante também destacar que o SFH sempre norteou suas operações no sentido de manter um equilíbrio entre o reajustamento do encargo mensal e da atualização do saldo devedor, em virtude do desequilíbrio vivido quando o encargo mensal e saldo devedor foram reajustados por índices diferentes, mesmo no período de aplicação do Decreto-Lei 2164/84, cujo limitador somente era aplicado quando da revisão solicitado pelo mutuário e jamais aplicado automaticamente pelos agentes financeiros, até pela falta de um banco de dados com reajustamento das principais categorias profissionais, mas vislumbrava-se que o aumento salarial do mutuário tinha um impacto muito grande para a manutenção da amortização do saldo devedor.
Assim neste momento onde ressurge a intenção do BACEN em alterar, por lei, a taxa de juros de 0,5% ao mês (6,17% ao ano) para um patamar de 80% da Taxa SELIC (0,9583%), repercutindo que a taxa de juros que será paga como remuneração dos depósitos de poupança de 0,766% ao mês (anualizada de 9,20%), considerando a SELIC em 11,5%, esta previsão de mudança vai acarretar na mudança da forma de cálculo da prestação inicial, que passará de pré-fixada para pós-fixada, acompanhando, a partir da assinatura do contrato (a partir da nova lei), a variação da Taxa Selic, haja vista que a remuneração do ativo dos agentes financeiros deverá ser a mesma da remuneração dos depósitos de poupança, mais a variação da TR, justamente para manter o tão esperado equilíbrio nas operações. Muito provavelmente os agentes financeiros vão criar um porcentual de juros fixos (que abrangeria os seus custos operacionais e algum percentual de spread) mais a variação dos juros fixados pela variação anual da Taxa Selic. Exemplificando: a composição da taxa de juros do contrato corresponderá: a) 2,5% anual pré-fixada; b) acrescido da variação mensal da taxa de juros definida para atualização dos depósitos de poupança (80% da selic).
Como a Taxa Referencial, tão criticada no início de sua implantação (mas defendida pelo saudoso ministro Mário Henrique Simonsen e por ele comparada a “libor” e apenas reconhecida judicialmente após a edição da Súmula 295 do STJ, tem uma variação menor do que qualquer outro índice setorial, hoje próxima a 1,20% ao ano (com juros de 0,5% corresponde a variação anual de 7,47%), a qual é aplicada sobre o encargo mensalmente e também ao saldo devedor, não tendo qualquer impacto na evolução do financiamento, considerando que as categoriais profissionais vêm conseguindo o reajustamento do salário não apenas com a reposição da inflação, mas com ganho real, mantendo, desta forma, uma inadimplência baixíssima nas operações tanto do SFH como do SFI, mesmo que considerando que a Lei 9.514/97 trouxe mecanismos de execução da dívida mais consistentes em relação aos dispositivos de execução hipotecária judicial de acordo com a Lei 5.741/71 e execução extrajudicial prevista no Decreto-Lei 70/66 (muito embora a constitucionalidade desse decreto está em pauta justa no STJ).
Mas não podemos esquecer que o SFH já passou (as demandas a partir de 1982 quando a correção monetária foi superior à correção dos salários) e que a taxa básica de juros (Selic) mesmo mantendo-se em patamar nos últimos dez anos dentro do limite de 12,5%, em momento de incertezas no mercado mundial e com reflexos diretos no Brasil (que não está imune a esses reflexos de ordem econômica), esta taxa poderá voltar ao patamar de mais de 15% e assim com reflexos diretos na taxa de juros, pós-fixada, contratada, que terá impacto no aumento do encargo mensal, mesmo considerando a TR em níveis baixos, como ora acontece.
Neste sentido seria interessante para evitarmos novamente o desequilíbrio entre o encargo mensal e o aumento salarial da classe trabalhadora brasileira, a qual vem acreditando no sonho da casa própria, que a legislação preveja um limitador para o cálculo de 80% da Taxa SELIC, não ultrapassando a taxa normalmente contratada em até 12% ao ano, ao mesmo tempo respeitando o ato jurídico perfeito e o direito adquirido de todos os contratos assinados até o advento da nova legislação que pretende alterar a taxa de juros aplicada na remuneração da poupança.
Dalton A. S. Gabardo
OAB-PR 11.123